
O grande David, CSgamer do GameReporter, foi quem mandou o link, lá pelos caminhos dele (de link em link é como anda a contemporaneidade, santo Vannevar Bush!): We're Not Listening: An Open Letter to Academic Game Researchers, artigo publicado no Gamasutra. Já nos primeiros parágrafos eu comecei a ter palpitações...
John Hopson, o autor, parte do(s) seguinte(s) princípios: há por aí uma pá de acadêmicos que choraminga porque A Indústria não ouve suas brilhantes idéias sobre como Mudar O Mundo Dos Videogames. O artigo de Hopson pretende, então, dar umas dicas para resolver esse probleminha de comunicação, com a propriedade de quem, segundo ele mesmo, já esteve dos dois lados da história (era acadêmico e foi para a indústria).
O que se segue são dicas até úteis, como, por exemplo, lembrar aos acadêmicos que é preciso pensar em retorno de investimento (afinal, por mais amor que se tenha, o pessoal tá ali é pra ganhar grana -- estas palavras são minhas, rs), é preciso largar o jargão acadêmico (porque artigos científicos tendem a ser insuportavelmente chatos -- e as vezes são mesmo), é preciso ser simples e direto etc e tal. Em si, esses pontos são interessantes.
É preciso que se diga que, logo de cara, Hopson também separa o joio do trigo: ele está falando para uma fatia de pesquisadores que almeja algum tipo de aplicabilidade direta de suas pesquisas. "Teoria pura", diz ele, "é uma coisa linda, mas está fora do escopo deste artigo". Ufa. Foi mais ou menos por aí que minhas palpitações amainaram e eu pude continuar a ler o artigo sem maiores riscos de ir bater no hospital em tão tenra idade... Ao final do artigo ele também vira a arma para a famigerada indústria e reconhece alguns "erros", mas o fato do artigo ter sido todo focado na "burrice" dos acadêmicos e não na da indústria já entrega o jogo, por mais justo que o autor tente ser.
Então senta, que lá vem a história: eu acho que de surdez e cegueira sofre gente em tudo quanto é lugar. Minhas palpitações se deveram ao fato de que, a rigor, quem leva a paulada é sempre "A Academia", por todos os motivos que o autor enumerou. E quando ele diz que "teoria pura é uma coisa linda", eu me perguntei onde está e quem decide a linha que separa o que é a tal "teoria pura" e o que é o resto da teoria, a "impura". Para mim, essa frasezinha revela, sem querer, a predisposição que carrega consigo a surdez, a de que existem dois terrenos completamente separados e diferentes: o da teoria (normalmente auto-centrado e surdo) e o da prática (produtivo, que gera riqueza, que todos amam, menos os intelectuais de esqueda, rs).
Talvez eu esteja sendo cruel demais com o autor, mas este é meu papel. Teoria e prática sempre se complementam. Ou deveriam. Teoria se faz olhando para o mundo, para as coisas, para como elas são feitas, para seus usos, desusos. Teoria é conseguir abstrair, fazer generalizações (nunca absolutas) e universalizações de categorias e formas que a prática separa. Faz-se teoria com teoria, mas teoria que não olha para a prática, para como as coisas são, acaba morrendo de inanição. Ao mesmo tempo, a teoria informa a prática, mesmo a tal "teoria pura", aquela que não se deu a partir de um estudo focado para resolver um problema específico evocado pela prática.
Teoria "pura", me parece, é o que fazem pessoas como Henry Jenkins, Espen Aarseth, Marie-Laure Ryan, Lucia Santaella e Arlindo Machado, para citar exemplos 'locais'. A teoria pura que essas pessoas produzem cria mundos de compreensão dentro da gente, propicia novos olhares, desloca percepções para novos lugares, tudo quase sem a gente se dar conta na hora em que a acontece. Talvez não seja o que o autor faz, mas é preciso que seja dito: tentar "adequar" esses olhares complexos à perspectiva funcionalista e instrumental da indústria seria um assassinato.
Ao mesmo tempo, numa sociedade capitalista, pedir que a Indústria fosse diletante seria totalmente absurdo. Assim, o que mem resta a concluir, a la Roberto Carlos, é que todos estão surdos: acadêmicos auto-centrados e industriais que não lêem. Mas os saltos, amém, não são dados por nenhum dos dois mundos. Os saltos são dados por acadêmicos que não se fecham em nenhum ambiente de marfim (que, ademais, é altamente anti-ecológico!) ou por industriais e engenheiros capazes de apreciar a complexidade da "teoria pura".
Infelizmente, eu não conheço esses caras, mas sou capaz de apostar: os Peter Molyneux e os Shigeru Miyamoto da Indústria todos bebem em alguma medida na tal da teoria pura (e na arte, esta, então, "inútil" por definição!), nem que seja "apenas" para continuarem capazes de ver o mundo para além das linhas de código. Isto os tornou geniais.
1 comment:
Bom post, concordo sobre as fontes que os gamedesigners devem beber.
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